sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Prosa Poética

A poesia nem sempre é tão formal como aparenta ser e desengane-se quem pensa que o verso é a única forma que ela tem de se apresentar. Efectivamente, as nossas leituras permitem-nos encontrá-la disfarçada em prosa; é então que determinadas palavras carregadas de sentimento e lirismo resplandecem e espreitam por entre linhas que nos deixam perceber que um narrador se transformou em sujeito poético, que nos delicia sem o rigor da forma, do ritmo ou da rima, mas com a mesma exigência literária e estética.
Esta mistura de modos literários ganha um novo apelido prosa poética e quem sabe não encontras agora uma nova forma de te expressar.
Aqui te deixamos um exemplo, que nos encantou:

"Quem me dera ter um jardim e saber das plantas e pô-las a florir e aquilo resistir, ou saber as que são de inverno e as que são de verão e funcionar como um indutor de beleza, seguro e consequente, durante o ano inteiro. Quem me dera que se visse alguma beleza que eu criasse, que eu pudesse oferecer, quem me dera que fosse uma beleza de perfumar e estivesse diante da minha casa por onde passassem as pessoas a ficarem alegres por ali passarem. Quem me dera que os poemas fossem coisas de corolas e cores e perdurassem inverno e verão, perfumando diante da minha casa.

Um poema onde as abelhas pousassem. Que incrível seria se houvesse um poema que soubesse oferecer pólen às abelhas, garrido como se dissesse as coisas às cores, intenso como se tivesse fragrância, delicado como se pudesse morrer. Um poema que pudesse morrer. Um que criasse em nós a urgência de o nutrir, vigiar, cuidar com as forças todas para que perdurasse como milagre vivo por gerações e gerações. Prezamos sempre melhor o que é passível de ser perdido para sempre. Queria poemas assim, à medida de mim que me vou perdendo para sempre lentamente."

valter hugo mãe, Autobiografia imaginária: Um poema que pudesse morrer, JL, nº 1044

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